sábado, 21 de fevereiro de 2009
A dramaturgia + O ator
Na montagem de um espetáculo de teatro, ator e texto precisam estar numa perfeita sintonia para que a apresentação saia a contento, não é mesmo? Digamos que um bom ator acompanhado de um bom texto é como arroz com feijão, a combinação perfeita. E para que isso aconteça é preciso um envolvimento completo.
Quando um ator conhece como funciona a estrutura dramática de um texto, desde a sua concepção até o seu ponto final, o trabalho acaba sendo facilitado e a compreensão de como o autor quis contar a história, torna a concepção geral do espetáculo bem mais clara.
Do outro lado, creio que quando um autor conhece a carpintaria cênica, além do conhecimento técnico de uma estrutura dramática, aliada a sua criatividade, acaba escrevendo um texto que torna mais fácil o trabalho do ator, por isso, entendo que conhecer o processo de criação do ator, faz com que o dramaturgo escreva muito mais que simples palavras no papel.
A dramaturgia e o ator são partes de uma parceria, que quanto mais perfeita, mais sincronizada, melhor é o resultado final de um espetáculo. Há atores que não conhecem a estrutura dramática de um texto e acabam não explorando tudo o que o autor quis passar. Por outro lado, há autores que não conhecem o universo do teatro e acabam se aventurando, produzindo textos rasos, com falhas de carpintaria e de estrutura, tanto dramática, como cênica.
Quanto mais um ator conhecer o universo de um dramaturgo e vice-versa, melhor se chegará a um bom resultado. Não que seja necessário que cada qual viva na pele a função do outro, muito embora existam aqueles que têm competência para fazer os dois papéis.
O mais importante mesmo, é deixar claro que um espetáculo de teatro vai muito além do que a apresentação em um palco. É algo que começa nos textos de um dramaturgo, passa pelas mãos de um diretor e acaba nos palcos nas ações de um ator. E quanto mais sintonia houver entre todos, melhor para o resultado final.
Brecht14 de agosto de 2009, será o 53º aniversário de morte de Bertolt Brecht. Um poema de um homem que fez teatro e pelo teatro se entregou a busca de compreender os fenômenos à sua volta. O poema é dedicado aos que viriam ao mundo depois da vinda de seu autor. Eis o poema, chamado "Aos pósteros":
I
Realmente vivo em tempos sombrios.
A palavra ingênua é tola. Uma fronte lisa
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Ainda não recebeu
A terrível notícia.
Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Por que inclui um silêncio sobre tantos delitos?
Aquele que vai pela rua tranqüilo
Não é mais acessível aos amigos
Que estão em necessidade?
É verdade: ainda ganho o meu sustento
Mas acreditem: é por acaso. Nada
do que faço autoriza que eu me sacie.
Casualmente fui poupado. (Quando minha sorte acabar
Estou perdido.)
Dizem-me coma! beba! fique feliz por ter o quê!
Mas como posso comer e beber se
Tiro ao faminto o que comer e
Meu copo d'água falta a quem tem sede?
No entanto, como e bebo.
Gostaria também de ser sábio.
O que é sábio está nos velhos livros:
Afastar-me da briga do mundo e passar
Sem medo a curta temporada
Sobreviver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los
É tido por sábio.
Nada disso eu posso:
Realmente, vivo em tempos sombrios!
II
Cheguei às cidades no tempo da desordem
Quando aí reinava a fome
Cheguei-me aos homens no tempo do tumulto
E indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.
Comi minha comida entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Tratei do amor sem atenção
E vi a natureza sem paciência.
Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.
No meu tempo os caminhos levavam ao pântano.
Minha linguagem denunciava-me ao carrasco.
Só pude pouca coisa. Mas esperava que sem mim
Os dominadores se sentassem mais seguros.
Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.
As forças eram escassas. O alvo
Ficava a grande distância.
Era bem visível, embora
Eu mal pudesse alcança-lo.
Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.
III
Vocês, que emergirão da maré
Onde nós soçobramos
Pensem
Ao falarem das nossas fraquezas
Nos tempos sombrios
De que escaparam.
Pois nós, desesperados, trocando mais de países
Que de sapatos, atravessamos as guerras de classes quando
Só havia injustiça e nenhuma revolta.
No entanto sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Contorce os traços.
Também a cólera contra a injustiça
Deixa a voz rouca. Ah, nós
Que quisemos preparar o chão para a amabilidade
Nós próprios não pudemos ser amáveis
mas vocês, quando tiver chegado a hora
Do homem ajudar o homem
Pensem em nós
Com indulgência.